Por Evandro Menezes de Carvalho
O Mercosul, desde a sua criação em 1991, nunca foi prioridade da política externa brasileira. Criado para estabelecer um mercado comum, não passou de uma zona de livre comércio ou, se muito, uma união aduaneira imperfeita. Os princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio, inscritos no preâmbulo de seu tratado constitutivo, dão o tom do método de ação política e mesmo jurídica da organização. Os avanços são tímidos, recheados de idas e vindas, com larga margem de apreciação política dos governos e órgãos do Mercosul.
A suspensão do Paraguai em razão da deposição do ex-presidente Fernando Lugo e o futuro ingresso da Venezuela no Mercosul têm gerado caloroso debate sobre a legitimidade e a legalidade de ambas as decisões tomadas por Argentina, Brasil e Uruguai. Discute-se se houve ruptura democrática no Paraguai e se a Venezuela é uma democracia. São questões relevantes para o conteúdo da decisão de suspender o primeiro país e admitir o segundo no Mercosul.
Nos termos do artigo 60 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), “uma violação substancial de um tratado multilateral por uma das partes autoriza as outras partes, por consentimento unânime, a suspenderem a execução do tratado, no todo ou em parte [...] nas relações entre elas e o Estado faltoso”. Argentina, Brasil e Uruguai entenderam que Paraguai rompeu a sua ordem democrática e, consequentemente, violou o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul. A suspensão impede que o Paraguai participe dos órgãos decisórios do Mercosul e, consequentemente, exerça o direito de decidir sobre a adesão de novos membros. Afinal, não se pode pretender que, junto com a suspensão do Paraguai ou de qualquer outro Estado-parte, fiquem suspensas todas as possibilidades de ingresso de novos membros na Organização. A vida do Mercosul continua, ainda que bastante fragilizada pela corrosão de um pressuposto importante para sua difícil consolidação: a confiança mútua entre os Estados-partes.
O tema central é o significado de democracia na região e o futuro do projeto integracionista. Um órgão do Mercosul que não se confunde com os governos poderia ser fundamental neste momento de crise: o Parlamento do Mercosul. Criado em 2005 para ser um órgão “independente e autônomo”, o Parlasul representa os povos do Mercosul e deve ter como propósito a “promoção e defesa permanente da democracia”. É o que estabelece o seu protocolo constitutivo. Mas para isso, é preciso enfrentar uma questão preliminar e decisiva para o futuro do Mercosul, qual seja: os parlamentares paraguaios que integram o Parlasul estariam também suspensos? Entendemos que não.
Quem está suspenso é o Estado do Paraguai que, representado pelo seu governo, não poderá exercer o direito de voto nos órgãos do Mercosul onde tem assento, a exemplo do Conselho do Mercado Comum. Já os parlamentares do Parlasul não representam o Estado, nem tampouco os governos, mas os povos do Mercosul. Suspender os parlamentares paraguaios seria punir duplamente a sociedade paraguaia posto que esta já teria sido usurpada do convívio democrático devido ao “golpe suave”, nas palavras de Cristina Kirchner, perpetrado por Franco. Ademais, suspender os parlamentares paraguaios do Parlasul seria também um sinal contrário ao fortalecimento da democracia no Mercosul se considerarmos que eles foram os únicos, de todos os parlamentares do Mercosul, eleitos pelo voto direto dos cidadãos paraguaios.
O Parlasul pode ser um importante mediador e protagonista no processo de reconstrução da confiança mútua entre os membros fundadores do Mercosul. Ao fazer isto, o Parlasul promoveria a cultura democrática e inauguraria uma nova fase na vida do Mercosul ao situar os povos como co-partícipes do processo de integração regional. O seu atual silêncio, contudo, sugere que nossos representantes no Mercosul podem não estar à altura do papel que lhes foi confiado.
Revista Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2012-jul-31/evandro-carvalho-parlasul-mediador-reconstrucao-mercosul
31 de julho de 2012.