quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Brasil pensa que é a Inglaterra, mas está mais para a Alemanha

Sobre o governo Dilma e as relações com o Mercosul, por Clarissa Dri

Passadas as eleições presidenciais no Brasil, cabe perguntar qual será a política do novo governo para a América Latina. O Mercosul esteve praticamente ausente da campanha, se não fossem pelas declarações do candidato José Serra, que, ao invés de avanços, defendia um retorno ao livre comércio. Nesse tema, não bastará ao governo Dilma dar continuidade à política de seu antecessor. Será preciso aprofundar laços e ir muito além do realizado, porque uma mera continuidade pode significar um fracasso rotundo da cooperação estabelecida até agora.
Os oito anos do governo Lula representaram um ponto de inflexão nas relações do Brasil com a América do Sul. O Brasil finalmente deixou de estar de costas para o seu continente para buscar diálogo e conhecimento acerca das realidades vizinhas. O volume comercial intra-Mercosul voltou a crescer e surgiram iniciativas significativas, como os fundos estruturais para o combate às desigualdades entre os países membros e o Parlamento do Mercosul para fortalecer a democracia regional. Criou-se a Unasul, propiciando uma aproximação com os países andinos e o aumento da cooperação em áreas estratégicas, como defesa e segurança. O importante, a partir de agora, será delinear com mais precisão esses projetos e avançar com mais determinação da retórica à prática da integração.
No Mercosul, apesar dos discursos inflados, o Brasil vinha se comportando mais ou menos como a Inglaterra no seio da União Européia, mantendo certa desconfiança com relação ao projeto regional, comprometendo-se sem se envolver de fato e evitando lidar diretamente com as principais tarefas pendentes no bloco. Acontece que o Brasil não é uma ilha, tem uma posição central no continente e é um dos países fundadores da integração, além de possuir uma das maiores economias da região, como a Alemanha. A Alemanha, ou mesmo a França, podem até dispor de um certo destaque no cenário internacional, mas são mais fortes enquanto União Européia. Não à toa continuam apostando no projeto e aceitam submeter-se à regulação de instituições regionais, como o Parlamento ou o Banco Central Europeu. A esses países tampouco lhes interessa ter vizinhos pobres, por isso o alargamento do bloco e o investimento na economia dos novos membros. O Brasil terá dificuldade em manter sua ascensão internacional e seu crescimento econômico se o fizer de modo isolado. Um verdadeiro líder olha para seu entorno e trabalha em equipe, porque isso fortalece, legitima e dá mais alcance às suas ações.
No que tange à Unasul, ela enfrentará problemas para se consolidar sobre um Mercosul fracassado. Os países do Cone Sul demonstrarão séria resistência para investir em um segundo projeto com um sócio que já falhou no primeiro. Para que a Unasul represente concretamente um horizonte promissor nas relações latino-americanas, ela precisa ser construída por um Mercosul economicamente dinâmico, socialmente equitativo e politicamente forte. Esse é o desafio do novo governo no âmbito do regionalismo: passar com coragem da teoria à prática para que o novo papel internacional do Brasil não seja apenas fogo de palha nesse tumultuado início do século XXI.

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